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ALTERAÇÃO NO PROGRAMA DE RECOMPENSAS



Cresceu o número de empresas que alteraram o seu programa de recompensas, lesando direitos dos consumidores. São modificações que diminuem ou desvalorizam os pontos arrecadados no programa, que dificultam o seu resgate, e que alteram os produtos oferecidos como prêmio, sempre restringindo o benefício conquistado pelo consumidor e, por outro lado, tornando o programa mais lucrativo para o fornecedor.

O programa de recompensas é um contrato celebrado entre fornecedor e consumidor, por meio do qual o cliente recebe vantagens ao comprar o produto ou usufruir do serviço oferecido. Trata-se, portanto, de um contrato bilateral e de duração continuada: (i) o contrato é bilateral, porque as partes têm obrigações a cumprir (o consumidor entrega sua fidelidade e recebe vantagens do fornecedor); e (ii) o contrato é de duração, mais especificamente de execução salteada, pois se executa mediante prestações periodicamente repetidas, sob solicitação de uma das partes.[1]

A bilateralidade do contrato evidencia que o programa de recompensas não é apenas um presente ou um brinde, algo que a empresa entrega ao consumidor por mera liberalidade. Muito pelo contrário. O programa de recompensas influencia a decisão do consumidor que, em busca de benefícios, opta por adquirir produtos e serviços da empresa a qual já está fidelizado, deixando de pesquisar no mercado outras opções de consumo. Noutro passo, o programa de recompensas é um importante mecanismo para as empresas, pois, ao fidelizar o cliente, aumentam sua receita e diminuem vendas da concorrência.

A fidelidade é um bem com valor econômico inestimável no mercado de consumo, ávido por conquista de clientela. Portanto, o que se espera diante da bilateralidade do contrato, é que a empresa cumpra a parcela de obrigações assumidas com o consumidor fidelizado.

Sendo o contrato de recompensas de duração continuada, a empresa pode alterar as regras inicialmente estabelecidas para manter o equilíbrio contratual. É da natureza dos contratos de duração estendida a possibilidade de serem alterados ou interrompidos.

Contudo, essa maleabilidade das disposições contratadas, que garante a paridade das obrigações assumidas pelas partes, sem oneração desleal de qualquer delas, não pode ser utilizada como subterfúgio para violar o direito do consumidor. E é exatamente dessa forma que muitas empresas estão atuando no mercado, ao alterarem as regras do programa de recompensa, sem preservar os pontos já conquistados pelo consumidor.

Essa conduta adotada pelas empresas viola o preceito de que o contrato faz lei entre as partes, o qual assegura ao contratante o direito subjetivo de exigir o cumprimento das prestações avençadas, conforme dispõe o artigo 475, do Código Civil. O contrato é fonte de obrigação, de forma que ele deve ser executado como se as suas cláusulas fossem disposições legais.[2] Eventual alteração, por qualquer motivo, mesmo quando salutar, como é o caso do desiquilíbrio contratual, requer um novo acordo de vontades entre as partes.

Os programas de recompensas são ofertados em grande escala, sendo contratados todos os dias por milhares de consumidores. Por isso é necessário o emprego de contratos de adesão, com cláusulas uniformes e inegociáveis, que serão aplicadas igualmente a todos os clientes. A modificação desses contratos é feita por notificações expedidas pelo fornecedor ao consumidor, informativas das alterações realizadas.

Não há problema nessa prática, desde que a empresa observe alguns requisitos: (i) o prazo da notificação deve ser razoável, para que o cliente possa rescindir o contrato, caso não concorde com a alteração; (ii) as alterações devem ser compatíveis com o objeto do contrato e não podem colocar o cliente em desvantagem; e (iii) as alterações não podem prejudicar o cumprimento das obrigações já assumidas pelo fornecedor.

No mais, deve-se afastar qualquer cláusula que permita a alteração unilateral das regras do programa de recompensas pela empresa. Essa disposição é nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, inciso XIII, do Código de Defesa do Consumidor, que não permite cláusulas que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração”.

Em conclusão, as empresas não podem alterar o programa de recompensas de forma a diminuir ou desvalorizar os pontos arrecadados, dificultar o seu resgate, e alterar os produtos oferecidos como prêmio. Essa prática é abusiva e violadora dos direitos dos consumidores, que podem exigir judicialmente o cumprimento do contrato, acrescido de indenização por perdas e danos.

Para falar com o autor deste artigo, envie um e-mail para contato@lambiasiebraga.com, ou entre no site do seu escritório clicando aqui.


[1] Orlando GOMES. Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 79.
[2] Orlando GOMES. Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1966, p. 159.

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