Pular para o conteúdo principal

REAJUSTE DO PLANO MÉDICO EM RAZÃO DA SINISTRALIDADE





Como em toda atividade empresária, os planos de saúde sempre procuram formas para aumentar seus lucros. Além de reduzir o custo pagando pouco para os médicos conveniados, os planos de saúde sempre buscaram meios para não ter prejuízo na balança comercial com o segurado. Primeiro, o contrato continha cláusula limitando o tempo de cobertura; depois, os planos médicos rescindiam o contrato dos segurados que utilizavam excessivamente o serviço médico; agora, inovaram com o reajuste por sinistralidade.

Sempre que o segurado utiliza o plano médico, a seguradora paga um valor para o médico, hospital ou laboratório, esse valor chama-se sinistro. Quando a seguradora paga mais sinistros do que recebe de mensalidades, chamada de prêmios, pode-se dizer que o segurado tem uma sinistralidade elevada. Para não ter prejuízo, a seguradora reajusta o valor do prêmio, logo, quanto mais o consumidor utiliza o seguro, mais ele pagará para a seguradora. Quase sempre o aumento é abusivo, no entanto, a pergunta que resta é: esse aumento é legal?

Nas duas situações anteriores, da cláusula que limita o tempo de cobertura e do desligamento do segurado dispendioso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela ilegalidade da conduta da seguradora.[1] Contudo, o mesmo Tribunal ainda não decidiu sobre o reajuste do prêmio em razão da sinistralidade.

Analisando as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conclui-se que o Tribunal nunca enfrentou de frente a questão. Na maioria das decisões, admite a legalidade da cláusula, mas rejeita o aumento abusivo porque o consumidor não foi avisado dos motivos do reajuste e determina a devolução dos valores indevidamente pagos.

Ainda assim, na opinião deste informante, a cláusula de reajuste do prêmio em razão da sinistralidade é abusiva e deve ser declarada nula de pleno direito. O Código de Defesa do Consumidor diz que são abusivas as cláusulas que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada”, sendo que se presumem exageradas as cláusulas que estabelecem vantagem que “ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence” e a cláusula que restringe “direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato”.

A cláusula de reajuste do prêmio em razão da sinistralidade tanto ofende um princípio fundamental do contrato de seguro: a sua natureza aleatória; como também restringem a obrigação inerente ao contrato da seguradora assumir o risco.

O contrato de seguro, em razão da sua natureza aleatória, não permite saber, de antemão, qual das partes obterá vantagem ou sofrerá prejuízo. Mas ao estabelecer uma cláusula de reajuste do prêmio em razão da ocorrência de sinistro, não há mais a alternativa de ganho ou perda, ao contrário, é perfeitamente possível saber desde o início quem sempre obterá vantagem ao final: a seguradora!

Também seria obrigação da seguradora assumir o risco do evento. Mas essa cláusula restringe essa obrigação.

Usualmente as seguradoras defendem a legalidade desta cláusula alegando um suposto mutualismo do contrato, de forma a preservar o seu equilíbrio financeiro. Mas para não ser abusiva, no mínimo, esta cláusula teria que ser recíproca e, também, prever a redução do prêmio daqueles que pouco utilizam o seguro, mas ela só é aplicada para aumentar a mensalidade do consumidor.

Mesmo que fossem recíprocas, neste caso, não haveria o contrato de seguro, pois aqueles que nunca sofrem o sinistro nada pagariam, enquanto que os demais arcariam integralmente com o tratamento.

A cláusula também é uma repetição de outra causa de reajuste do preço, como a mudança de faixa etária. Trata-se de um verdadeiro bis in idem, como causa de reajuste do preço. O reajuste pela sinistralidade e o reajuste pela mudança de faixa etária têm essa justificativa: o aumento da utilização do plano de saúde pelo segurado; supostamente teriam igual objetivo: assegurar o equilíbrio contratual, a viabilidade econômica do contrato etc.. Mas sabemos que essas cláusulas buscam aumentar abusivamente os lucros das seguradoras.

Portanto mesmo sem essa cláusula o ônus da seguradora não seria excessivo. Ainda assim, o estudo atuarial e de viabilidade na prestação de serviços de saúde deveriam ser mais bem planejados pela seguradora, antes de oferecer seus serviços ao consumidor.

Essa prática das seguradoras é similar às anteriores já condenadas pela jurisprudência. Em todos os casos a seguradora, visando apenas seus lucros, utiliza métodos odiosos para excluir do contrato de seguro a sua aleatoriedade, incluindo cláusulas que a protegem do risco pelo sinistro. Portanto, a cláusula de reajuste por sinistralidade é abusiva e deve ser declarada nula de pleno direito.




[1] Ver Súmula 302, do STJ e REsp 602.397.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A DEMORA NA EMISSÃO DA CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DO PROFESSOR PÚBLICO ESTADUAL

É lugar comum afirmar que os professores merecem ser mais valorizados. No entanto isso não retira a veracidade da afirmação. O magistério é uma profissão especial pela sua relevância social e, por isso, os profissionais merecem não só bons salários, mas também privilégios por toda a carreira até a aposentadoria. Entretanto, até para obterem a merecida aposentaria, os professores são menosprezados pelo Poder Público. O professor que não exerceu o magistério por tempo suficiente para se aposentar pelo regime de previdência próprio dos servidores públicos, ele pode, ainda assim, aposentar-se pelo regime geral da previdência social, utilizando o período como servidor público na contagem do tempo. Para isso é necessário obter do Poder Público estadual a Certidão de Tempo de Contribuição. No Estado de São Paulo, o descaso do Poder Público ocorre exatamente quando o professor tenta obter essa certidão. É bastante comum escutar dos professores que o Poder Público estadual demora me

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

À exemplo do artigo publicado em 16 de janeiro de 2013 ( aqui ), no qual falamos sobre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público , as chamadas OCIPs , neste artigo abordaremos outra modalidade de organização não governamental : as Organizações Sociais , conhecidas como OSs , prevista na Lei 9.637, de 15 de maio de 1998. Assim como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público , as Organizações Sociais não são um tipo específico de pessoa jurídica, são, na verdade, um enquadramento que se atribuí as pessoas jurídicas de direito privado que atendem determinados requisitos legais. Em melhores palavras, juridicamente são associações ou fundações que recebem esse título ou qualificação. [1] Assim, Organização Social é uma qualificação que o Poder Público outorga a uma associação ou fundação, sem fins lucrativos, de forma que ela receba benefícios, como dotações orçamentárias e isenções fiscais, para a realização de seus fins, que necessariamente se

O registro de marcas

Podemos conceituar marca como: um sinal distintivo (toda expressão ou logotipo) que caracteriza um produto e/ou serviço. O registro de marca tem relevância para realizar a designação de tal produto, mercadorias ou serviços. Também é usado para verificar sua origem, garantindo assim, ao consumidor, a possibilidade de diferenciar a qualidade dos produtos. Os direitos sobre os signos distintivos são direitos de clientela em sua forma mais flagrante. O surgimento de uma marca da qual a forma, nome ou tipo sejam semelhantes com marca anterior da mesma categoria ou natureza, pode induzir o consumidor a erro, uma vez que o mesmo está acostumado com sua rotina e muitas vezes, não tem a devida cautela ao comprar certo produto. A existência de uma marca no Brasil está condicionada ao seu registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI – e, para tal, é requisitado que seja possível a identificação do produto ou do serviço a que se destina, sem confundir o consu