Um leitor do blog
nos escreveu perguntando sobre a possibilidade de reeleição do síndico, quando
a convenção de condomínio vedar essa situação. Para o nosso
leitor o síndico poderia ser reeleito porque o Código Civil, no artigo 1.347,
permite a reeleição e porque um conflito entre a norma do Código Civil e a
norma da convenção de condomínio se resolveria pela superioridade hierárquica da
lei federal.
Para responder a pergunta
do nosso leitor, primeiro deve-se esclarecer que o artigo 1.347, do Código
Civil não inovou no ordenamento jurídico. A Lei 4.591/64, conhecida como Lei
dos Condomínios, já previa, em seu artigo 22, a possibilidade de reeleição do
síndico. Assim, eventual discussão sobre a natureza jurídica da convenção de
condomínio e a sua recepção, quando anterior a nova lei civil, pelo Código
Civil de 2002 deve ser afastada, na medida em que a convenção de condomínio já conflitava
com uma norma prevista em lei federal, pouco importando o advento do novo código.
Não há, na
verdade, uma situação de antinomia entre a convenção coletiva e o Código Civil,
na situação apontada pelo nosso leitor. A resposta para essa aparente contradição
encontra-se na classificação das normas jurídicas quando a sua imperatividade e
não em uma suposta hierarquia da legislação federal sobre a convenção de
condomínio. A classificação mais utilizada divide a norma jurídica em normas cogentes ou de ordem pública e normas dispositivas ou supletivas.
A diferença entre elas é que as normas
cogentes “ordenam ou proíbem alguma coisa de modo absoluto, sem admitir
qualquer alternativa, pois vinculam o seu destinatário a um único esquema de
conduta. Elas limitam a autonomia da vontade individual, não levando em conta
as intenções ou desejos dos destinatários, porque defendem interesses que são
fundamentais à vida social, os chamados interesses de ‘ordem pública’”.[1] Por sua vez, as normas dispositivas “são as que, não
ordenando ou proibindo de modo absoluto, se limitam a dispor com uma certa
parcela de liberdade; de fato elas estabelecem uma alternativa de conduta:
deixam aos destinatários a faculdade de dispor de maneira diversa, mas se não o
fizerem, sujeitar-se-ão ao que a norma determina. Assim, a norma permite que os
seus destinatários disciplinem a relação social; na ausência duma manifestação
de vontade, ela a supre, devendo ser aplicado o disposto na regra”.[2]
O artigo 22, da
Lei 4.591/64, e o artigo 1.347, do Código Civil, apresentam uma regra cogente e
uma regra dispositiva. É regra cogente aquela que afirma que o mandato não
poderá exceder dois anos; essa regra proíbe de modo absoluto um mandato por
prazo superior a dois anos, caracterizando a obrigatoriedade da regra. No
entanto, é regra dispositiva aquela que permite a reeleição; essa regra deixa
aos destinatários a possibilidade de reeleger do síndico, evidenciando o
caráter dispositivo da regra.
O professor
Flávio Tartuce diverge quando ao caráter cogente do tempo do mandato, mas
concorda quando ao caráter dispositivo da possibilidade de reeleição do
síndico:
A assembleia condominial deve escolher um síndico, que é
o administrador-geral do condomínio, ou seja, o seu presidente ou gerente. Há,
desse modo, um mandato legal. Conforme o art. 1.347 do CC, o síndico poderá não
ser condômino, ou seja, admitem-se síndicos profissionais. O prazo de
administração não pode ser superior a dois anos, mas poderá renovar-se.
Eventualmente, a convenção pode dispor ao contrário quanto aos dois aspectos.[3]
Em que pese o grande
número de condomínios edilícios no Estado de São Paulo, não há farta
jurisprudência sobre o tema. No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo já teve oportunidade de se manifestar a esse respeito:
Apelação Cível.
Ação anulatória de
reeleição de síndico – Convenção condominial que autoriza uma única reeleição
de síndico para mandato de 2 anos – Síndico que desempenha o cargo há mais de 6
anos – Descabimento – Manutenção da sentença.
Nega-se provimento ao
recurso.[4]
Portanto, a
convenção de condomínio pode proibir a reeleição ou apenas restringir o seu número
de possibilidades. Situação esta que não caracteriza uma antinomia entre a
convenção de condomínio e o Código Civil.
Para falar com o
autor deste artigo, envie um e-mail para contato@lambiasiebraga.com, ou entre no site do seu escritório clicando aqui.
[1] Antonio Bendo
BETIOLI. Introdução ao direito:
lições de propedêutica jurídica. 4. ed São Paulo: Letras & Letras, 1996, p.
113. Ver também Maria Helna DINIZ. Curso
de direito civil brasileiro, vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
34.
[2] Antonio Bendo
BETIOLI. Introdução ao direito:
lições de propedêutica jurídica. 4. ed São Paulo: Letras & Letras, 1996, p.
113-4. Ver também Maria Helna DINIZ. Curso
de direito civil brasileiro, vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
34-5.
[3] Flávio TARTUCE. Manual de direito civil: volume único.
São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 904.
[4] TJSP, 5ª Câmara de
Direito Privado, Apelação Cível nº 994.00.044065-0, rel. Des. Enéas Costa
Garcia, v.u., j. 23.2.11.
Comentários
Postar um comentário